Eram uns olhos assim negros, bem negros e grandes. Uns olhos que atravessam o barulho daquela praça e falavam em silêncio. Tinham ao mesmo tempo uma serenidade que penetrava a alma e um clamor que transpassava o coração. Esses olhos eram duas estrelas que brilhavam num corpo franzino e pueril como a noite. Ao lado dela, mais umas outras três crianças bem parecidas umas com as outras se diferenciando apenas pelos tamanho. A mãe delas estava por perto confeccionando um artesanato que ninguém se interessava em comprar. Ao lado dela, meio escondido, um pequeno amontoado de frutas que haviam ajuntado pelo chão e que seria o lanche da tarde, o jantar, o café da manhã e talvez o almoço do dia seguinte. E isso já havia virado rotina.
Era difícil de se acreditar, mas aquela era a vida deles, que tinham como moradia aquela praça, cujo teto era o sol escaldante, nuvens carregadas, a copa de uma árvore ou ainda, o véu de estrelas da noite. Sua cama era a grama seca ou úmida quando não o cimento duro e frio. Não. Essas crianças não estão em um país desses marcados pela fome, catástrofes naturais ou qualquer outra calamidade. Não! Elas estão em nosso país, em nossa cidade, logo ali, na praça onde costumamos frequentar.
Quanto tempo ainda ficaremos cegos, frios e indiferentes ? Os olhos inocentes e pedintes que nos olham hoje, nas praças, nos sinais, são os mesmos olhos frios e impiedosos de amanhã! Cada um de nós hoje é responsável pelo monstro de amanhã! Não adianta negar.