terça-feira, 12 de julho de 2011

CARÊNCIA

Do que careço é quem?, perguntou-me outro dia. E me lembro apenas da sensação de descortinamento da verdade que era desconhecimento até minutos atrás. Acredito que sim, recordo-me de pensar no silêncio que se estendeu pela espera de resposta. Mas não somente... balbuciou, sonolenta, a minha consciência. Quem não carece nessa vida, afinal? Há dias em que careço do sol esquentando as minhas costas, enquanto caminho rumo ao trabalho. Mas em outros, no quase sempre, careço mesmo da chuva tirando música do asfalto, enquanto eu cantarolo mudez, os pensamentos atiçados. Às vezes, careço de alguém arrancar de mim, aos berros, que seja, a certeza, essa armadilha que nos impede de perceber a volatilidade que adorna os acontecimentos. Não queria morrer de susto a cada certeza abocanhada pela mudança, só para renascer reticente no instante seguinte, magoada comigo mesma por não ter aprendido, na certeza anterior, lição tão importante. Porque certeza é coisa para fazer a gente doer. Careço do gosto agridoce da felicidade... Bobagem dizer que felicidade tem sabor de tutti-frutti! Felicidade é uma mistura inédita para um indivíduo único justamente porque cada um sendo cada um é possível se misturar e se adaptar e celebrar, através das diferenças, a capacidade de cultivar a igualdade.   Quando careço de tempo para respirar, escapo do dia vigente, horário comercial, um minuto que seja. Escondo-me onde for, fecho os olhos e sequestro um minuto de ausência minha dos lugares e cargos que me cabem. Inexisto para o mundo, durante este minuto, voltando pronta para dar continuidade ao meu papel de pessoa responsável por mim e pelos meus afazeres cotidianos. Tudo por que a vida, muitas vezes, faz com que nos falte o fôlego. Mas ela se defende, dizendo que é para que reconheçamos a importância do respirar. Careço da palavra sussurrada, das manhãs cinzas conduzidas à base de filmes e pipoca, da mão estendida à espera do cumprimento, dos discos que um dia foram imprescindíveis, não apenas colecionáveis. E chapéus... Sou pessoa apaixonada por chapéus e que raramente os usa. Careço de ser capaz de usar chapéus, de dançar nas ruas com meus chapéus coloridos. De ser a moça doida dos chapéus engraçados. Careço da presença que não me culpe pelas culpas que já reconheço em mim. E que ela saiba fazer café, porque ainda não sei viver sem. Um dia aprendo... Quem sabe. E de cortinas se abrindo no teatro, das telas de cinema, e de frases de efeito que só fazem efeito na gente quando ditas com o gosto bom do sentimento verdadeiro. Acontece de eu carecer de mim mesma, porque às vezes me desabito, saio de mim e nem me olho de fora, apenas me afasto e o mundo segue sem me perceber arredia, à beira da vida, simulando frieza que não sei sentir. E do que mais careço é da gentileza... Soubéssemos todos do poder de transformação que ela outorga, talvez, sem certeza mesmo... Talvez fosse possível vivermos o estar em paz com a vida que levamos. Careço dessa leveza... E da canção.