sexta-feira, 19 de agosto de 2011

ANJOS POR ACASO


Quando se nasce e de nascido experimenta-se a gana por vida. E a curva indica perigo ou já aponta o acidente. Quando se nasce assim, desse jeito um tanto quanto desmedido, vem logo o rótulo e gruda na cara da gente. Mas quem disse que queremos abrandar a dor e costurar as feridas? Não buscamos cicatrizes, veja bem... Queremos mais é que não haja corte. Então, que tal fazer a corte a essa paz que não tem rótulo como este que foi grudado na cara da gente? Porque quando se nasce cuspido, sabe? Caindo em qualquer canto da vida e lambuzando-se de abandonos. Quando se nasce assim, logo nos cravam as tachas nas mãos e crucificam nosso futuro. Não que queiramos pular nossa infância, caindo logo de cara no futuro das responsabilidades e ilusões adultas... Queremos sim celebrá-la até que, na idade adulta, nesse futuro mais catártico do que brincante, nós possamos sorrir sem as fendas que nos causaram as tristezas pirracentas. Entende o que digo? Quando se nasce assim, em qualquer lugar, sem laços que acolham ou abraços que acalmem, muros altíssimos vêm de brinde. Alguns de nós, espertos que só, aprendemos a ficar em cima deles, observando o movimento. Outros não têm tanta sorte, e dão de querer derrubar os ditos. Passam a vida tentando transpassá-los. Poucos alcançam este objetivo. Você me ensinou a duvidar da sorte e confiar nos bons ventos. Tirou de mim o absolutismo, essa certeza falseada. Senti-me livre... E eu que nasci às avessas, comprometida com as profundezas dos sentimentos, devo-lhe o exorcismo de um rótulo e outro; de um abismo e outro. Devo-lhe a ousadia do meu desejo, não de ficar em cima do muro ou socá-lo até ferir as mãos, mas sim o de me reinventar com asas. E o mais tocante disso tudo é que não precisou muito. Bastou que acreditasse na minha existência; que me chamasse pelo nome, concedendo-me identidade... Que escutasse o que eu tinha a dizer. Quando se nasce assim... Vou fazer uma dobradura e colocar no pires, junto a sua xícara de café quente. Nesse papel cor de sol, haja o que houver, perdurará meu sentimento de gratidão. Sou grata a você por ser quem é, porque quando se nasce embalado pelo desconforto das máscaras, a honestidade do olhar conquista não só a alma da gente, mas também parte da nossa ideologia. E nos dá fôlego. Pessoas também podem se tornar anjos, mesmo que por acaso.

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