quarta-feira, 31 de agosto de 2011
VAI QUE...
Vai que o mundo desabe, justo hoje, sobre nossas cabeças desprotegidas. Um chapéu, então, flores e cores, decoração de jardins nessas nossas cabeças que, mesmo quando ocas, deitam no colo dos amores e pensam melhor. Pensam com afeto. Vamos logo pôr as roupas no varal, a comida no fogo; vamos preparar com antecedência os preparativos com hora marcada, aniquilando a certeza de que o tempo é o do relógio e conduzido pelos prendados. Vamos pregar uma peça no tempo, porque ele, meus caros, é um doido varrido. Merece um carnaval de horas desembestadas. E dá-me cá tua mão, então! Vamos cultivar um enlace, ainda que seja no susto, nos valendo do que Vinicius disse em seu poema: “eu te peço perdão por te amar de repente / embora o meu amor seja velha canção nos teus ouvidos”... E cantarolar sentimentos nessa antecipação romântica. Vamos endoidecer de vez de amor dos sinceros, que é para que o fim seja um começo dos mais inspirados; e tropecem os minutos diante dos beijos trocados, nos arrabaldes dos desfechos. Mesmo que engasgue, que o corpo trema numa dança desengonçada: diga. O que pertence ao teu sentimento, diga num repente, numa bossa, num rap, numa poesia. Desembuche que é pra não deixar as querenças interrompidas. Diga com a nudez oferecida pela urgência dos segundos. Vai que hoje esse mundo, numa receita sem medidas, faça de nós gatos e sapatos e nos ensine, na alegoria das suas idas e vindas, a superarmos o medo. E desabe sobre nossas cabeças as idéias, das que ao invés de pôr abaixo o mundo - e por serem nascidas no colo do afeto –, construam um tempo sem tempo para as declarações de amor, para as festas às sextas-feiras; para descansar o olhar no horizonte, para uma política mais justa, para a tolerância. E para as gargalhadas que, dizem por aí, fazem bem à saúde.
DENTRO DE MIM,
Falar o quê? Melhor é ouvir o sussurro das coisas. Ou seus gritos. Bonito é tocar a vida de ouvido, ouvindo e fazendo som. Uma crônica não-crônica, aguda, ou grave gravidez sem gravidade... Vou condecorar pequenos feitos quase invisíveis às almas distraídas, porém tão importantes para o acontecimento que é a vida, feito frestas cuspindo luz, respingando esperanças na tela virgem da escuridão. E mesmo que ande por aí apalpando impossibilidades, hoje eu vou mergulhar em mim, mas de um jeito inédito, sem procurar pelo fôlego ao primeiro susto. Vou até o fundo de mim, tocarei meu chão, expandirei a compreensão que o mantém sendo quintal onde descanso e repenso os incômodos, até que eles partam de vez. E ao voltar à superfície de mim, prometo tratar com mais delicadeza a nossa existência: a minha, a sua, a dos outros. E enxergarei além, minha voz dirá sentimentos sem a rede de proteção da omissão. Para amanhã, programei algumas mudanças: janelas escancaradas, portas abertas, horizontes dependurados no olhar, andar de mãos dadas com o desapego, porque aquele sonho nunca foi sonho, mas sim prisão, já que desaconteceu, antes de sequer dar-se ao gosto do acontecimento. E vou encarar o reflexo de mim no espelho da desconstrução. E que a reconstrução seja passível de melhorias. Quem puder que suma do mapa, ainda que por alguns minutos, durante o dia. Abandone as senhas, deixe de lado os provedores e as dezenas de ligações aos SAC disso e daquilo outro. Sabe como diz a canção? “Era dia de feira/Era dia de ver e de provar/Era dia de estrelas no olhar”. Dia de provocar o riso, confundir noite com dia, porque tem lua no céu claro. De concluir projetos, como aquele engavetado por anos, que inclui, entre tantos tópicos de importância gritada pela logística e pelas estatísticas, um dos que mais nos apetece: confundir-se, vez ou outra, com a felicidade. Que o experimento seja capaz de nos levar além, e nos permita conhecer novos sabores, como o das tardes em que nos dedicamos a observar o que, em dias do diariamente, sequer percebemos. Ver e provar.
SE VOCÊ NÃO TEM FILHOS
Se você não tem filhos não sabe uma porção de coisas, mas ouve dizer. Só que tem outras que não te dizem e que vou te contar agora. São coisas pequeninas, quase que insignificantes, mas que somadas representam uma vida nova tão rica e abundante que chega a ser pesada. Porque é demasiadamente intensa e carregada a vida de quem tem filhos pequenos. Quando você os tiver, verá que por todos os lados terá sinais da infância transbordando na sua vida de adulta. Naquela sua sapatilha delicada, aquela toda feita à mão, que você queria usar numa tarde de shopping com as amigas — a tal tarde de shopping que nunca mais acontecerá, ou pelo menos não até seus filhos completarem 15 anos. Pois então, voltando à sapatilha que você foi buscar no armário e, quando colocar, notará que tem areia dentro dela. Areia, um bocado dela. “Ai, aquele dia no parquinho...”, se lembrará arrependida de uma tarde em que ia só dar uma passadinha no térreo, mas acabou sentando no tanque de areia e... bom, filhos pequenos... Se você não tem filho, deve estar sempre limpinha e asseada, não é? Aproveite porque, quando os tiver, aquela camisa branca ficará amarelada e, enquanto eles forem bebês, você sempre estará com cheiro de leite azedo, viverá as voltas com paninhos, tentando se limpar do vaivém de leite das mamadas de seu pequeno. E, também, quando você tiver filhos pequenos, uma noite qualquer, antes do banho, vai notar que tem massinha no seu sutiã, ou purpurina no seu queixo, ou, então, quando estiver naquele jantar chique do seu trabalho, vai perceber que esqueceu de esfregar a tatuagem de macaco que fizeram na sua mão naquela festinha a que levou os pimpolhos mais cedo. “Não, não é nada”, dirá sem graça, apoiando a outra mão sobre o rabo do macaco, quando lhe perguntarem o que você tem aí, logo abaixo do anel brilhante. Quando você tiver filhos, há de se tomar cuidado para nunca deixar a bolsa cair. Se por ventura acontecer no elevador do escritório de virar tudo no chão, siga meu conselho e não aceite ajuda. Guarde logo a cabeça da Barbie que estava dentro do zíper, corra para pegar a dentadura de vampiro, esconda rapidamente aquele final de pirulito que, a essa altura, já grudou nos lencinhos umedecidos e, por fim, se tiver bolinha de gude, torça para o elevador cair no poço e morrerem todos. Menos você, claro. Na sua casa, a decoração nunca mais será a mesma. A estante impecável terá, ao lado do porta-retratos de madrepérola, uns M&Ms melecados que você tentou esconder da sua filha e esqueceu ali. Periga ter uma fralda de cocô perdida num armário, e, certamente, pecinhas de encaixe irão ornar com o vaso de orquídeas na mesa de centro. Esqueça o sofá limpo, o cobertor claro, as paredes lisas. Sempre haverá um rastro de sorvete ou de mel pelos móveis, uns pedaços de mamão, um tanto de caos na sua vidinha, antes tão impecável. E acredite, ainda não tenho filhos, apenas um irmão caçula.
terça-feira, 23 de agosto de 2011
HOMENS BONITOS
Eu caminhava lentamente, distraída, quando senti duas mãos delicadas pousarem firmes em meus ombros — feito os pés de um passarinho. E quando parei, senti uma cabeça entre as minhas omoplatas — uma testa, um nariz, um bico. Eu já sabia quem era, mesmo sem precisar olhar. Era um homem bonito. Os homens bonitos são mais sutis: planadores, asas-delta. Chego mesmo a pensar que eles sempre estiveram por aí, eu é que não estava olhando na direção certa. O homem bonito tem, antes de tudo, o sorriso. Sorri com a facilidade com que o vento sopra. Não precisa de motivos para sorrir. E, quando é preciso, gargalha. Feito criança ouvindo piada. Preste atenção em um homem bonito. Pois ele faz aquele silêncio de aluno interessado. Não reage. Aceita o impacto da novidade, da diferença e até mesmo do desagrado. Ele aprendeu — ou sempre soube — a paciência. O homem bonito trabalha. Como trabalha! Parece que não tem descanso. Mas descansa no trabalhar. O degrau, que para um homem comum é mais um esforço, para ele é um repouso, uma pausa no se elevar. Elevando-se em descanso, o homem bonito permanece, não arreda pé. Sabe o que não, sabe o que quer. Já está lá — faz um trailler no pensamento — antes mesmo de chegar. O homem bonito abraça. Abraço de peito no peito. É a sua marca. E tem sempre um "eu te amo" na ponta da língua, que ele quase nunca diz para outro homem — bonito ou não —, mas nem precisa: o homem bonito ouve eu-te-amos com audição canina. Ouve "eu te amo"do mendigo na esquina, da criança desconhecida, da mulher agitada e querida, do homem comum e bonito. O homem bonito faz filhos, brinca com eles, lhes conta histórias e guarda as deles. Ser pai é sua profissão. O homem bonito é o pátio onde pousa o avião. E é tão gentil — mas tão gentil o homem bonito — que faz o avião sentir-se maior do que ele mesmo. O homem bonito pode ouvir, e é por isso que eu digo: eu vos amo, homens bonitos.
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
ANJOS POR ACASO
Quando se nasce e de nascido experimenta-se a gana por vida. E a curva indica perigo ou já aponta o acidente. Quando se nasce assim, desse jeito um tanto quanto desmedido, vem logo o rótulo e gruda na cara da gente. Mas quem disse que queremos abrandar a dor e costurar as feridas? Não buscamos cicatrizes, veja bem... Queremos mais é que não haja corte. Então, que tal fazer a corte a essa paz que não tem rótulo como este que foi grudado na cara da gente? Porque quando se nasce cuspido, sabe? Caindo em qualquer canto da vida e lambuzando-se de abandonos. Quando se nasce assim, logo nos cravam as tachas nas mãos e crucificam nosso futuro. Não que queiramos pular nossa infância, caindo logo de cara no futuro das responsabilidades e ilusões adultas... Queremos sim celebrá-la até que, na idade adulta, nesse futuro mais catártico do que brincante, nós possamos sorrir sem as fendas que nos causaram as tristezas pirracentas. Entende o que digo? Quando se nasce assim, em qualquer lugar, sem laços que acolham ou abraços que acalmem, muros altíssimos vêm de brinde. Alguns de nós, espertos que só, aprendemos a ficar em cima deles, observando o movimento. Outros não têm tanta sorte, e dão de querer derrubar os ditos. Passam a vida tentando transpassá-los. Poucos alcançam este objetivo. Você me ensinou a duvidar da sorte e confiar nos bons ventos. Tirou de mim o absolutismo, essa certeza falseada. Senti-me livre... E eu que nasci às avessas, comprometida com as profundezas dos sentimentos, devo-lhe o exorcismo de um rótulo e outro; de um abismo e outro. Devo-lhe a ousadia do meu desejo, não de ficar em cima do muro ou socá-lo até ferir as mãos, mas sim o de me reinventar com asas. E o mais tocante disso tudo é que não precisou muito. Bastou que acreditasse na minha existência; que me chamasse pelo nome, concedendo-me identidade... Que escutasse o que eu tinha a dizer. Quando se nasce assim... Vou fazer uma dobradura e colocar no pires, junto a sua xícara de café quente. Nesse papel cor de sol, haja o que houver, perdurará meu sentimento de gratidão. Sou grata a você por ser quem é, porque quando se nasce embalado pelo desconforto das máscaras, a honestidade do olhar conquista não só a alma da gente, mas também parte da nossa ideologia. E nos dá fôlego. Pessoas também podem se tornar anjos, mesmo que por acaso.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
O QUE AINDA CONTINUO QUERENDO DIZER...
Não quero alguém que me faça sorrir sempre, basta não me fazer chorar. Não quero alguém que me dê motivo para fugir, quero alguém que me convença a ficar. Não quero alguém que me dê presentes, quero alguém que se a dê a mim de verdade. Não quero alguém sem dúvidas, quero alguém com a única certeza de que merece ser feliz. Não quero alguém com dinheiro, mas alguém que me faça sentir feliz mesmo andando de ônibus. Não quero alguém sofisticado, quero alguém com a simplicidade de um sorriso. Não quero alguém bonito, quero alguém que não me faça precisar apelar para a beleza física como razão para amar. Não quero alguém perfeito, quero alguém que complete os meus defeitos. Não quero alguém que me ame tanto quanto eu o amo, é suficiente que me permita amar. Não quero alguém sem problemas, quero que juntos sejamos a solução. Não quero alguém vazio, quero alguém com a alma linda e repleta de botões, que eu ainda espero desabrochar. Quero alguém que me ensine a não usar tantos "que". Mas se for para me procurar só quando precisar, peço apenas que precise de mim a todo momento. Não quero qualquer um, não quero muito, só peço um.
domingo, 14 de agosto de 2011
PUXE UMA CADEIRA
Faça-me companhia, é o que peço. Sou pedinte humilde, meu caro, que não se importa com etiquetas ou rótulos, tampouco com dissabores. Abro a boca e aguardo ser alimentada pela sua história, querendo mais é que o mundo acabe em páginas em branco para eu recomeçá-lo dos alicerces da minha imaginação, numa dança de palavras que se encontram em coreografia inusitada. Sirva-se de mim, do pecado aos bons costumes, paredes, assoalho, no jardim da nobre casa apelidada redenção. E entre um gole e um toque, peço que estreite laços. Assopre-as em meus ouvidos. Invente-as se for preciso, que hoje não me importo. Hoje não. Disseram-me que, se um dia me sentisse só, bastaria o sentir para que viessem todos: sonhos descabidos e irrealizáveis, afetos martirizados pelas mágoas, amizades interditadas pelo tempo e o espaço impostos, sempre prontos a angariar passado. Acontece que hoje escolho a sua companhia, celebrando um remate amansado. Então, peço que fique, puxe uma cadeira, sente-se e sinta-se em casa, em um lar que é seu e onde conseguimos nos tornar proprietários de memórias na planta a serem construídas e usufruídas daqui a 24 meses, pagamento parcelado com o maior carinho e sem juros. Depois, podemos enveredar pelas estradas da partilha, das concessões, do embrenhar dedos ousados em indicações de saída mais do que necessária, opção há tanto tempo protelada pela ingênua – porém temida – caminhada rumo à novidade. A novidade é que, meu caro, ando mais à disposição do que jamais estive. E quero tardes acompanhadas não apenas pelas chuvas de verão, mas também pelo olhar reconhecido, pelo dizer sinceridades, até que haja, entre nós, o mais próximo de uma verdade desinibida. Neste agora me sinto deixada por vezes de lado, ao avesso, e reivindico apenas um voto de confiaça, porque aprendi a comer em porções e a beber aos goles a honra de estar viva. Acho que nada mais justo é me deixar viver. Porque hoje, preciso da companhia de ser acompanhada por você.
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