quinta-feira, 28 de julho de 2011

A SUA VIDA DARIA UM LIVRO?

Um livro eu sei que a de muitas pessoas que eu conheço daria. Isso porque elas fazem questão de me dizer que a vida delas daria um livro, que eu deveria escrever sobre os revezes das suas biografias. A maioria delas fala isso de verdade, querendo mesmo que eu as entreviste e escreva um livro sobre elas, porque acreditam que são sobreviventes. Algumas delas realmente o são. Outras ainda não sabem o que é viver uma experiência valiosa. Eu gosto de ouvir as histórias que essas pessoas têm para contar, e acho que muitas delas dariam sim ótimos romances. Porém confesso que gosto da ideia de, se um dia decidir biografar alguém, que seja uma pessoa pela qual, antes de tudo, eu tenha me apaixonado pela história de vida. Que ouvi-la seja também uma experiência de descoberta para mim. E que assim eu possa misturar a prosa da vida dela com a poesia que ela me inspira. Como eu já disse, eu realmente sou uma boa ouvinte, mas acho que é por invejar um pouco aqueles que vão contando tudo, despudorados que só, querendo mais que as suas palavras sejam publicadas em folhetins. É que, quando se trata do mais profundo do que sinto, da realidade das minhas escolhas, do fundamento das batalhas pessoais que travo, não consigo verbalizar. E quando tento fazê-lo, juro, parece tudo piada, mesmo sendo sério. Sorte minha conseguir escrever histórias, inventar caras e bocas para os meus pensamentos. Nem sempre essas histórias são as melhores, as mais excitantes, mas ainda assim este é um ótimo exercício de fé, porque nem tudo é meu, nem tudo é inventado, muita coisa é emprestada. E ao me apoderar dessas situações, ou mesmo me inspirar nelas para dar vida a uma das minhas histórias, agradeço profundamente a oportunidade de tê-las conhecido. E também conheço um e outro dos quais as vidas, certamente, dariam não apenas um livro, mas também um filme baseado nele. Pessoas tão apaixonadas pela construção das suas histórias, e tão dignas de usufruírem da loucura dos sábios. Aquelas pessoas que o fazem desejar apenas ficar por perto, pode ser em silêncio mesmo, pois a presença delas já diz tanto. Que nos pequenos gestos e cotidianos afazeres promovem uma série de mudanças a sua volta. Não são perfeitas, nem pretendem ser, são inteiras nos seus desejos. Talvez aí more o segredo dessas muitas pessoas que dariam livros e filmes baseados nesses livros. Elas não pulam etapas. Suas vidas são vividas na intensidade e mansidão que lhes cabe. Elas aceitam o que a vida oferece, e então transformam esses acontecimentos em cenas de uma vida que é delas e de ninguém mais. Nem dos livros, tampouco dos filmes. Vai saber... De repente uma ou duas historias da sua vida pode dar em uma canção... Ou em canções.

domingo, 24 de julho de 2011

DOCE

Eu sou o leite e você me pôs no fogo. Me aqueceu sem que eu pedisse. Me tirou do conforto da minha Tetra Pak. Me deixou em fogo baixo. Parecia não ter pressa. E não tinha mesmo. Seu prazer estava em ficar ali, vigilante, a me observar. Mas mesmo quando aquecido em fogo baixo, uma hora o leite atinge a fervura. É a lei natural da química. Ou seria da física? Não entendo nada disso. E também não entendo nada de você. Como compreender que depois de tanta vigilância você iria se dispersar justo quando fervi? E agora? Quem vai pagar o preço pelo leite derramado? Sua única chance seria aceitar dividir essa conta comigo. Eu estou te dando essa chance. Uma chance e uma dica: cuidado para não perder o ponto. A linha entre o doce de leite e o leite azedo é tênue. E se eu azedar, alguém vai ter uma indigestão das brabas. 

segunda-feira, 18 de julho de 2011

EXPERIMENTE VIVER...

HÁ MAIS!

Há um quarto a mais na casa. Uma suíte onde não se pensava haver nada. Um guarda-roupa, uma cama, uma estante e um banheiro comprido e espaçoso. Um quarto de hóspedes sem hóspedes que pode ser usado pelo dono da casa. Há um canto a mais no ar. Um som onde só havia silêncio e barulho. Uma nota, uma melodia, um arranjo e uma canção de letra delicada. Uma música procurando o seu ouvinte. Há um pensamento a mais na mente. Uma idéia onde só havia oposição. Uma palavra, uma expressão, um sentido e uma história desmemorada e conhecida. Uma vida contando seu rumo. Há um sorriso a mais na cara. Uma alegria onde só havia dentes. Uma brecha, uma abertura, uma expansão e uma fé capaz de mover a si mesmo. Um encontro de si consigo. Há um tempo a mais, um sonho a mais, um milagre a mais, um detalhe a mais... de tudo um pouco a mais guardado entre as dobras do que se vê. E há o espanto — libertador — desses achados.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

PALAVRAS CRUZADAS

Sou brega, eu assumo! E quando o assunto é amor sou antiguada, sou chata e minha chatice é nata. Gosto de palavras cruzadas, andar de mãos dadas, comer marmelada. Minhas rimas são péssimas, minha lingua afiada, mas como você notou as coitadas não deram em nada. Sou irritante, simples na minha simplicidade, vivendo dia à dia e a cada ano aumentando um ano na minha idade, que fase! Olho nos olhos de cada amigo, ofereço meu ombro, se precisar dou abrigo. Tenho cabeça pensante, sou amante, não tenho dinheiro no bolso, nem anel de diamante. São fases da vida, é como escolher a fase certa para cortar o cabeço, é como festejar o ano novo, o ano inteiro. Sou apaixonada, levo comigo um sorriso no rosto, o beijo do namorado, todo o amor e o carinho que por mim foi conquistado. Gosto de deitar abraçada, sentar na sacada, andar na beirada da rua. Sentir o frio na barriga, entrar em uma briga e sair dela sem falar nada. Achar que tudo é palhaçada, tentando ser engraçada, e não conseguir arrancar nem uma gargalhada. Essa sou eu, essa é a melhor fase da minha vida. Espero que em todas as estações, que em todos os trens você esteja a me esperar. Que todas as manhãs sejam domingo para que eu possa dormir um pouco mais, acordar e te levar café na cama. Sorrir para você e esperar você dizer que me ama. Te olhar de rabo de olho, saber que você será pra sempre minha inspiração, continuação. Sou louca, eu sei! Sou forte, inabalável na balada, tô na pista. Não nasci pra nada, nasci pra ser seu tudo, você nasceu pra ser minha alma. 

HOJE, O CÉU ECLIPISCOU PRA MIM!

Tem gente que não sabe cantar. Tem gente que não sabe estalar os dedos. Tem gente que não sabe dar coió — tem gente que nem sabe o que é coió. Eu já não sei piscar. Claro que todo mundo pisca involuntariamente para lubrificar os olhos, mas estou falando aqui do piscar intencional para paquerar ou simplesmente dar um sinal para uma outra pessoa. Pois não sei piscar. Quero piscar um olho, pisco os dois. Lembram-se daquela brincadeira de Detetive, Vítima e Ladrão, em que o Ladrão fazia suas Vítimas piscando o olho e o Detetive ficava tentando descobrir quem era o piscador? Nunca me dei bem naquela brincadeira, pelo menos não quando eu era o Ladrão. As prováveis Vítimas não se deixavam atingir pelo meu piscar deficiente. Piscar é um charme. É de apaixonar. E, se as intenções são só amigáveis, piscar é capaz de proporcionar uma duradoura amizade. Então estou assim, meio apaixonada, meio melhor amiga de quem piscou para mim essa semana: o Céu, com seu olho de Lua. Foi um piscar lento, como são as coisas do Céu. Começou na minha derradeira volta do curso e só terminou quase uma hora depois. Deu tempo de chegar em casa, preparar um miojo rápido. Um piscar perfeito, desses de quem sabe mesmo o que faz — coisa de Céu. Nesse demorado piscar, enquanto a Lua me apaixonava, o Céu mandava o sinal: "É isso aí, tá no caminho certo. Continue firme. Bom trabalho". E eu quis piscar de volta, dizer que havia entendido o recado, confirmar a amizade. Mas, como já disse, eu canto, estalo dedo e faço coió, mas piscar não é o meu forte. Sorte minha que o Céu é um sujeito esperto, sabedor das coisas. Ele com certeza percebeu que uma daquelas minhas piscadelas, supostamente involuntária, não foi apenas para lubrificar os olhos.




quarta-feira, 13 de julho de 2011

UM CARTA ESCRITA POR MIM, PRA MIM

Um dia, e não deve demorar muito, vou notar fios brancos no meu cabelo. Pior: um dia, vou procurar se restaram alguns fios preto no meu cabelo. Vou sentir algumas dores nas pernas, ou nas costas, ou a carga da vida será pesada para mim. E, se eu pudesse deixar um recado para essa mulher que eu serei então, eu pediria, talvez, para que ela fosse doce. Quando eu for velha, desejo manter alguma alegria. Ainda que a amargura me seja tentadora, que eu possa ver alguma beleza na vida. Que eu possa ver beleza em mim mesma, mesmo que meu rosto esteja amassado, os olhos um pouco apagados, que eu me lembre do quanto achava ridículo as mulheres lotadas de botox e não caia na armadilha de esticar-me toda para tentar ser aquilo que não preciso mais ser. Que eu me lembre desse tempo de hoje, e aceite essa outra forma de beleza, senão sem dores, com muita dignidade. Que eu tenha mãos firmes para passar base e, quiçá, delineador. Que eu saiba o valor e o momento de um bom perfume, de um bom penteado, de uma roupa bem cortada. Que eu não caia na tentação de vestir-me como uma velha ou – pior – que eu não caia no ridículo de usar roupas parecidas com as das minhas netas. Que eu não implique com a vida, com o tempo, com o meu companheiro. Aliás, se ele se tornar irritante, diabético, surdo ou o que quer que seja, desejo me lembrar das promessas antigas, do companheirismo de uma vida, das inúmeras vezes em que eu, jovem, fui irritante e surda, e ele esteve ao meu lado. Que eu possa relevar as frases repetidas, que eu tenha paciência para as pequenezas dele, e procure evitar as minhas. Que eu saiba rir da vida, de mim mesma, de nós dois. Mesmo que as piadas sejam péssimas; as gargalhadas não deveriam se tornar tão raras quanto as caminhadas ou as corridas. Que eu possa, ainda, fazer meu companheiro rir, mesmo que me dê uma preguiça danada. Que eu não cobre dos meus filhos, netos, amigos, mais do que eles me ofereçam. E que, em sendo oferecido pouco deles a mim, que isso não me amargure; mesmo que seja infinitamente injusto e cruel – e deve ser –, que eu tenha aceitação e alegria. Que eu tenha assunto e conhecimento, que eu tenha prazeres e encantamentos, sabedoria e discernimento. Que eu me mantenha lendo bastante, para que eu possa achar assunto nos jornais, nas revistas, nos novos e nos velhos livros. Se não me restar amigos, ou amores, que o conhecimento me salve de uma rotina infinitamente chata e comprida. Que eu aprenda a apreciar flores, comida, música, ou qualquer uma dessas coisas oferecidas em abundância pela vida, porque, assim, mesmo que me falte o resto, ainda terei o gosto ou o som do que me faz feliz. E, enfim, se eu pudesse deixar um último recado a essa velhinha que eu serei, eu pediria que ela lembrasse da menina que foi um dia e que fosse gentil com essa moça, com seus próprios erros, acertos, escorregadas e tentativas vãs. Que ela não fosse muito rígida com a vida, e nem com essa jovem abusada e tola que, um dia, sentou-se num jardim ensolarado para deixar-lhe uma pequena carta, cheia de palavras e idéias que, talvez, um dia, não façam, absolutamente, o menor sentido.


terça-feira, 12 de julho de 2011

CARÊNCIA

Do que careço é quem?, perguntou-me outro dia. E me lembro apenas da sensação de descortinamento da verdade que era desconhecimento até minutos atrás. Acredito que sim, recordo-me de pensar no silêncio que se estendeu pela espera de resposta. Mas não somente... balbuciou, sonolenta, a minha consciência. Quem não carece nessa vida, afinal? Há dias em que careço do sol esquentando as minhas costas, enquanto caminho rumo ao trabalho. Mas em outros, no quase sempre, careço mesmo da chuva tirando música do asfalto, enquanto eu cantarolo mudez, os pensamentos atiçados. Às vezes, careço de alguém arrancar de mim, aos berros, que seja, a certeza, essa armadilha que nos impede de perceber a volatilidade que adorna os acontecimentos. Não queria morrer de susto a cada certeza abocanhada pela mudança, só para renascer reticente no instante seguinte, magoada comigo mesma por não ter aprendido, na certeza anterior, lição tão importante. Porque certeza é coisa para fazer a gente doer. Careço do gosto agridoce da felicidade... Bobagem dizer que felicidade tem sabor de tutti-frutti! Felicidade é uma mistura inédita para um indivíduo único justamente porque cada um sendo cada um é possível se misturar e se adaptar e celebrar, através das diferenças, a capacidade de cultivar a igualdade.   Quando careço de tempo para respirar, escapo do dia vigente, horário comercial, um minuto que seja. Escondo-me onde for, fecho os olhos e sequestro um minuto de ausência minha dos lugares e cargos que me cabem. Inexisto para o mundo, durante este minuto, voltando pronta para dar continuidade ao meu papel de pessoa responsável por mim e pelos meus afazeres cotidianos. Tudo por que a vida, muitas vezes, faz com que nos falte o fôlego. Mas ela se defende, dizendo que é para que reconheçamos a importância do respirar. Careço da palavra sussurrada, das manhãs cinzas conduzidas à base de filmes e pipoca, da mão estendida à espera do cumprimento, dos discos que um dia foram imprescindíveis, não apenas colecionáveis. E chapéus... Sou pessoa apaixonada por chapéus e que raramente os usa. Careço de ser capaz de usar chapéus, de dançar nas ruas com meus chapéus coloridos. De ser a moça doida dos chapéus engraçados. Careço da presença que não me culpe pelas culpas que já reconheço em mim. E que ela saiba fazer café, porque ainda não sei viver sem. Um dia aprendo... Quem sabe. E de cortinas se abrindo no teatro, das telas de cinema, e de frases de efeito que só fazem efeito na gente quando ditas com o gosto bom do sentimento verdadeiro. Acontece de eu carecer de mim mesma, porque às vezes me desabito, saio de mim e nem me olho de fora, apenas me afasto e o mundo segue sem me perceber arredia, à beira da vida, simulando frieza que não sei sentir. E do que mais careço é da gentileza... Soubéssemos todos do poder de transformação que ela outorga, talvez, sem certeza mesmo... Talvez fosse possível vivermos o estar em paz com a vida que levamos. Careço dessa leveza... E da canção.